Em casos de concurso formal, o perdão judicial em relação a um dos crimes tem efeito extensivo em relação aos outros?
Nosso plano de Questões Discursivas traz, a cada semana, 4 (quatro) novas questões de caráter dissertativo, sempre inéditas e exclusivas, para serem respondidas pelos nossos alunos e, na sequência, corrigidas e avaliadas pelos nossos professores, com a seleção das melhores respostas.
Em recente rodada, uma das questões veio assim formulada:
(EMAGIS) Em casos de concurso formal, o perdão judicial em relação a um dos crimes tem efeito extensivo em relação aos outros?
Confira, abaixo, uma síntese dos comentários preparados pelos nossos professores:
O questionamento de Direito Penal referente à Rodada 38.2019 requer do aluno Emagis o conhecimento sobre perdão judicial. O objetivo do questionamento é levar ao conhecimento do aluno Emagis que em caso de concurso formal de crimes, o perdão judicial concedido para um deles não necessariamente deverá abranger o outro.
Pois bem.
Nos termos do artigo 107, IX, do Código Penal, a punibilidade do agente se extingue pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei.
De acordo com a doutrina e com o entendimento jurisprudencial, não é possível a criação de hipóteses de perdão judicial não prevista em lei. De acordo com o Código Penal, o rol taxativo de hipóteses que admitem o perdão judicial é o seguinte: (i) art. 121, § 5º (homicídio culposo); (ii) art. 129, § 8º (lesão corporal culposa): nesses casos, o fundamento para o perdão judicial é que o agente é atingido pelas consequências do fato de forma tão grave que a pena – que tem uma finalidade preventiva e retributiva – se torna desnecessária. Parte-se da premissa de que não há razão para impor a pena porque o agente já foi duramente castigado pela ocorrência do fato. (iii) art. 140, § 1º, I e II (injúria); (iv) art. 168-A, § 3º (apropriação indébita previdenciária); (v) art. 337-A, § 2º, II (sonegação de contribuição previdenciária); (vi) art. 176, parágrafo único (outras fraudes); (vii) art. 180, § 5º, primeira parte (receptação culposa); (viii) art. 242, parágrafo único (“adoção à brasileira”); (ix) art. 249, § 2º (subtração de incapazes).
As hipóteses legais de cabimento do perdão judicial em decorrência de acordo de colaboração premiada são as seguintes: (i) Lei 9.613/1998, art. 1º, § 5º (lavagem de capitais); (ii) Lei 9.807/1999, art. 13 (proteção à testemunha); (iii) Lei 12.850/2013, art. 4º (organizações criminosas).
Conceitualmente, o perdão judicial é o instituto por meio do qual o juiz, preenchidas determinadas circunstâncias previstas expressamente na lei, deixa de aplicar a pena ao réu, embora reconheça a autoria do fato típico, ilícito e culpável. Além disso, o juiz não pode estender o perdão judicial para crimes em que a lei não o admite e o ato judicial que concede o perdão judicial tem natureza jurídica de sentença, até porque é necessário concluir se os requisitos do perdão judicial estão presentes.
Ressalta-se que a natureza da sentença concessiva do perdão judicial não é condenatória, pois não existe condenação sem pena – no perdão judicial, o juiz deixa justamente de aplicar a pena ao réu. Ademais, ela também não é absolutória porque quem merece ser absolvido não precisa ser perdoado. A natureza jurídica da sentença que concede o perdão judicial é dada pela Súmula 18 do STJ. Ou seja, trata-se de sentença declaratória da extinção da punibilidade. Vejamos:
“Súmula 18 - A sentença concessiva do perdão judicial é declaratória da extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório.”
No que tange ao instituto do concurso formal, ao se analisar a literalidade do art. 70 do CP , verifica-se que, inicialmente, trata-se de um sistema de exasperação da pena, ou seja, nos casos de concurso formal próprio ou homogêneo, a pena a ser aplicada deverá ser a de um dos delitos, aumentada de um sexto até a metade. Dessa forma, o percentual de aumento deve ter relação com o número de resultados e vítimas, e não com as circunstâncias do fato.
Quis o legislador, com isso, beneficiar o acusado ao lhe fixar somente uma das penas, mas acrescendo-lhe uma cota-parte que sirva para representar a punição por todos os delitos, porquanto derivados da mesma ação ou omissão do agente. Note-se, porém, que não há referência à hipótese de extensão da absolvição, da extinção da punibilidade, ou mesmo da redução da pena pela prática de nenhum dos delitos. Dispõe, entretanto, a segunda parte do art. 108 do Código Penal que:
“Art. 108 – (...) Nos crimes conexos, a extinção da punibilidade de um deles não impede, quanto aos outros, a agravação da pena resultante da conexão.”
Assim, tratando-se o perdão judicial de uma causa de extinção de punibilidade excepcional, que somente é cabível quando presentes os requisitos necessários à sua concessão, esses preceitos de índole atípica devem ser os balizadores precípuos para a aferição de sua concessão ou não, levando-se em consideração cada delito de per si isoladamente, e não de forma generalizada, como nos casos em que se afiguram pluralidades de delitos decorrentes do concurso formal de crimes.
Nesse sentido é o entendimento do STJ:
“RECURSO ESPECIAL. DUPLO HOMICÍDIO CULPOSO NO TRÂNSITO. CONCURSO FORMAL. ART. 302, CAPUT, DA LEI N. 9.503/1997, C/C ART. 70 DO CP. MORTE DE NAMORADO E DO AMIGO. PERDÃO JUDICIAL. ART. 121, § 5º, DO CÓDIGO PENAL. CONCESSÃO. VÍNCULO AFETIVO ENTRE RÉU E VÍTIMAS. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO. SÚMULA N. 7 DO STJ. EXTENSÃO DOS EFEITOS PELO CONCURSO FORMAL. INVIABILIDADE. SISTEMA DE EXASPERAÇÃO DA PENA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. CAUSA EXCEPCIONAL. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. 1. Conquanto o texto do § 5º do art. 121 do Código Penal não tenha definido o caráter e a extensão das consequências do crime imprescindíveis à concessão do perdão judicial, não deixa dúvidas quanto à forma grave com que elas devem ter atingido o agente, a ponto de tornar desnecessária e até mesmo exacerbada a aplicação de sanção penal. 2. A análise do grave sofrimento, apto a ensejar a inutilidade da função retributiva da pena, deve ser aferida de acordo com o estado emocional de que é acometido o sujeito ativo do crime, em decorrência da sua ação culposa, razão pela qual a doutrina, quando a avaliação está voltada para o sofrimento psicológico do agente, enxerga no § 5º a exigência da prévia existência de um vínculo, de um laço de conhecimento entre os envolvidos, para que seja "tão grave" a consequência do crime ao agente. Isso porque a interpretação dada é a de que, na maior parte das vezes, só sofre intensamente aquele réu que, de forma culposa, matou alguém conhecido e com quem mantinha laços afetivos. 3. Assim, havendo o Tribunal a quo entendido não estar demonstrado nos autos, de forma inconteste, que o acusado mantinha, embora de natureza diversa, fortes vínculos afetivos com ambas as vítimas, de modo a justificar o profundo sofrimento psíquico derivado da provocação de suas mortes, não há que se falar em malferimento à lei federal, pois inviável, consoante precedentes desta Corte Superior, a dupla aplicação do perdão judicial. 4. Entender pela desnecessidade do vínculo seria abrir uma fenda na lei, que se entende não haver desejado o legislador, pois, além de difícil aferição – o tão intenso sofrimento –, serviria como argumento de defesa para todo e qualquer caso de delito de trânsito com vítima fatal. 5. A revisão desse entendimento, tal qual perquirido pelo recorrente, que afirma existir farto acervo probatório a demonstrar os laços de amizade com a segunda vítima, demandaria imersão vertical sobre o conjunto fático-probatório delineado nos autos, procedimento vedado em recurso especial, a teor da Súmula n. 7 do STJ. 6. Malgrado a instituição do concurso formal de crimes tenha intensão de beneficiar o acusado, estabelecendo o legislador um sistema de exasperação da pena que fixa a punição com base em apenas um dos crimes, não se deixou de acrescentar a previsão de imposição de uma cota-parte, apta a representar a correção também pelos demais delitos. Ainda assim, não há referência à hipótese de extensão da absolvição, da extinção da punibilidade, ou mesmo, da redução da pena pela prática de nenhum dos delitos, tanto que dispõe, o art. 108 do Código Penal, in fine, que, "nos crimes conexos, a extinção da punibilidade de um deles não impede, quanto aos outros, a agravação da pena resultante da conexão". 7. Tratando-se o perdão judicial de uma causa de extinção da punibilidade de índole excepcional, somente pode ser concedido quando presentes os seus requisitos, devendo-se analisar cada delito de per si, e não de forma generalizada, como quando ocorre a pluralidade de delitos decorrentes do concurso formal de crimes. 8. Recurso especial não provido.” (STJ. 6ª Turma. REsp 1.444.699-RS, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, julgado em 1/6/2017)
Portanto, de acordo com o entendimento do STJ, o fato de os delitos haverem sido cometidos em concurso formal não autoriza a extensão dos efeitos do perdão judicial concedido para um dos crimes, se não restou comprovado, quanto ao outro, a existência do liame subjetivo entre o infrator e a outra vítima fatal. Exemplo: o réu, dirigindo seu veículo imprudentemente, causa a morte de sua noiva e de um amigo; o fato de ter sido concedido perdão judicial para a morte da noiva não significará a extinção da punibilidade no que tange ao homicídio culposo do amigo.
Das considerações feitas podemos concluir que o perdão judicial (art. 107, IX, do CP) é o instituto por meio do qual o juiz, não obstante a prática de um fato típico, ilícito e culpável, deixa de lhe aplicar, nas hipóteses expressamente previstas em lei, a pena ao réu, levando em consideração determinadas circunstâncias que concorrem para o evento. A sentença que concede o perdão judicial é declaratória de extinção da punibilidade, nos termos da Súmula 18 do STJ (“A sentença concessiva do perdão judicial é declaratória da extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório”).
Em regra, o Direito Penal brasileiro prevê o perdão judicial para crimes culposos - exemplos: homicídio culposo, lesão corporal culposa e receptação culposa. Entretanto, também é possível o perdão judicial em crimes dolosos – exemplos: art. 140, § 1º, do CP (injúria) e perdão judicial como benefício derivado do acordo de colaboração premiada (Lei nº 12.850/13). No que tange ao instituto do concurso formal, ao se analisar o art. 70 do CP, verifica-se que, inicialmente, trata-se de um sistema de exasperação da pena. A intencão do legislador foi beneficiar o acusado. Note-se, porém, que não há referência à hipótese de extensão da absolvição, da extinção da punibilidade, ou mesmo da redução da pena pela prática de nenhum dos delitos, tanto que dispõe, a segunda parte do art. 108 do CP, que, “nos crimes conexos, a extinção da punibilidade de um deles não impede, quanto aos outros, a agravação da pena resultante da conexão”. Assim, a jurisprudência do STJ entende que o fato de os delitos terem sido cometidos em concurso formal não autoriza a extensão dos efeitos do perdão judicial concedido para um dos crimes, se não restou comprovada, quanto ao outro, a existência do liame subjetivo entre o infrator e a outra vítima.
Portanto, não é possível a extensão do efeito de extinção da punibilidade pelo perdão judicial concedido em relação a um delito para outro crime tão somente por terem sido praticados em concurso formal. Isso porque o perdão judicial é uma causa de extinção da punibilidade de índole excepcional, de forma que somente pode ser concedido quando presentes os seus requisitos, devendo-se analisar cada delito de per si (isoladamente), e não de forma generalizada, como quando ocorre a pluralidade de delitos decorrentes do concurso formal de crimes.
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