A legitimidade outorgada pela lei à autoridade coatora com vistas a recorrer da sentença que concede a segurança pressupõe que a peça recursal seja subscrita por advogado?
Nosso plano de Questões Discursivas traz, a cada semana, 4 (quatro) novas questões de caráter dissertativo, sempre inéditas e exclusivas, para serem respondidas pelos nossos alunos e, na sequência, corrigidas e avaliadas pelos nossos professores, com a seleção das melhores respostas.
Em recente rodada, uma das questões veio assim formulada:
(EMAGIS) A legitimidade outorgada pela lei à autoridade coatora com vistas a recorrer da sentença que concede a segurança pressupõe que a peça recursal seja subscrita por advogado? Responda fundamentadamente em até 20 (vinte) linhas.
Confira, abaixo, uma síntese dos comentários preparados pelos nossos professores:
Iniciando o enfrentamento do tema, é válido recordar a observação doutrinária de Hely Lopes Meirelles no sentido de que o mandado de segurança “é o meio constitucional posto à disposição de toda pessoa física ou jurídica, órgão com capacidade processual, ou universalidade reconhecida por lei, para a proteção de direito individual ou coletivo, líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, lesado ou ameaçado de lesão, por ato de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça (CF, art. 5º, LXIX e LXX; Lei n. 1.533/51, art. 1º).” (‘Mandado de segurança [...]’. 27ª ed., atualizada por Arnoldo Wald e Gilmar Ferreira Mendes. São Paulo: Malheiros, 2004, pp. 21-2)
Aliás, a Lei nº 12.016/2009 aperfeiçoou tecnicamente a redação do antigo diploma que regrava esse importante instrumento jurídico (art. 1º da Lei nº 1.533/1951), bem definindo os contornos da ação constitucional: “Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça” (art. 1º).
O precitado diploma legal dispõe no seu art. 14, caput e §§ 1º e 2º, in verbis: “Art. 14. Da sentença, denegando ou concedendo o mandado, cabe apelação. § 1º Concedida a segurança, a sentença estará sujeita obrigatoriamente ao duplo grau de jurisdição. § 2º Estende-se à autoridade coatora o direito de recorrer.” Note-se que a norma do § 2º acima transcrito assegurou à autoridade coatora legitimidade para interpor recurso em sede mandamental, superando antiga controvérsia existente no plano da doutrina, com autorizadas vozes advogando que apenas a pessoa jurídica de direito público estaria legitimada a recorrer (a exemplo de Maria Sylvia Zanella Di Pietro em sua conhecida obra ‘Direito administrativo’, 13ª ed., São Paulo: Atlas, 2001, p. 634), e também na jurisprudência, conforme ilustram os arestos a seguir colacionados:
“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. LEGITIMIDADE RECURSAL. UNIÃO FEDERAL. FAZENDA NACIONAL. 1. Inobstante ser a autoridade coatora parte no processo, o interesse para recorrer é da pessoa jurídica de direito público interessada, que suportará o ônus da sentença. 2. Legitimidade da União Fazenda Nacional para integrar a relação processual. 3. Recurso Especial improvido.” (STJ, Segunda Turma, REsp 553.959/PE, Rel. Ministro Castro Meira, DJ de 01/12/2003, p. 342)
“[...] 1 - A autoridade coatora, apesar de ser parte no Mandado de Segurança, figurando no pólo passivo da relação processual, não possui legitimidade para recorrer, devendo, somente, prestar informações no prazo de 10 (dez) dias e cumprir o que for determinado na liminar ou sentença. A legitimidade recursal é da pessoa jurídica de direito público interessada, pois é ela quem suportará os efeitos patrimoniais da decisão final. Precedentes do Supremo Tribunal Federal (RE nºs 97.282/PA e 105.731/RO) e deste Superior Tribunal de Justiça (PET nº 321/BA e REsp nº. 133.083/CE). [...]” (STJ, Quinta Turma, RMS 12.646-EDcl/MS, Rel. Ministro Jorge Scartezzini, DJ de 30/06/2003, p. 266)
Ainda sob o regime que precedeu o advento da Lei nº 12.016/2009, José Cretella Júnior, com a acuidade própria de suas lições, observava que “No mandado de segurança, a autoridade coatora, sujeito passivo da ação, embora não sujeito passivo da lide, é notificada a prestar informações sobre o ato impugnado, editado não em seu próprio nome, mas em nome do poder público, que representa. A informação, que assume os característicos de verdadeira contestação, é, em geral, como se observa diariamente na prática administrativa, perfeita, na forma e no conteúdo, em razão do interesse que tem a autoridade de manter o ato impugnado. Defendendo a integridade formal e material do próprio ato, embora no interesse do Estado, a autoridade coatora defende o prestígio administrativo, no que se refere ao próprio cargo.” (‘Comentários à lei do mandado de segurança’. 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 208)
Não tardou para que a compatibilidade constitucional do preceito normativo – § 2º do art. 14 da Lei nº 12.016/2009 – fosse questionada perante a Suprema Corte pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Na ADI nº 4.403/DF, proposta em 06/04/2010, a entidade pontuou que o dispositivo estaria em desacordo com o art. 133 da Lei Maior, usurpando o múnus constitucional da advocacia (“O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”).
Apreciado o mérito da ação direta na assentada de 22/08/2019, o Plenário da Corte chancelou a constitucionalidade daquela disposição legal, que apenas conferiu legitimidade recursal à indigitada autoridade coatora no mandado de segurança, não lhe assegurando a capacidade postulatória intrínseca ao advogado regularmente inscrito na OAB (nos moldes do art. 103 do CPC e dos arts. 1º a 5º da Lei nº 8.906/1994).
Consoante destacado no julgamento, o art. 14, § 2º, da Lei nº 12.016/2009 trata apenas da “legitimidade para recorrer”, não dispensando a “capacidade postulatória”, não havendo, neste aspecto, dispensa de advogado (a subscrever a peça recursal). Registrou-se que a Lei do Mandado de Segurança não prevê expressa desnecessidade de advogado para o ato postulatório, como se pode observar em outros textos legais na nossa ordem jurídica, destacando-se a Lei nº 9.099/1995 (art. 9º) e a Lei nº 10.259/2001 (art. 10), no âmbito dos Juizados Especiais, tendo o Supremo Tribunal Federal oportunidade de reconhecer a constitucionalidade da dispensa nessa hipótese (ADI 3.168/DF, Rel. Ministro Joaquim Barbosa, DJe-072 publicado em 03/08/2007).
Em seu voto-líder, enfatizou o eminente Relator, Ministro Edson Fachin:
“Assim, tampouco é o caso de se impor a interpretação conforme, tal como consta no pedido sucessivo, porque esta interpretação, aqui, deriva da própria lei, não da Constituição. Eventual dispensa legal do advogado deve ser expressa e, assim, precedida de deliberação pelo legislador, podendo, ou não, ser constitucional, como ocorreu com as leis dos Juizados Especiais. Esse juízo, porém, deve ser inicialmente feito pelo legislador, para que, caso provocado, possa o Judiciário se pronunciar, aí sim, sobre a constitucionalidade ou não da dispensa legal. [...]
Ante o exposto, julgo improcedente o pedido de declaração de inconstitucionalidade do art. 14, §2º, da Lei n. 12.016/2009, porque conferiu legitimidade recursal à autoridade coatora, não dispensando a capacidade postulatória.”
Veja-se a didática ementa do julgado:
“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Artigo 14, § 2º, da Lei nº 12.016/2009. Mandado de Segurança. Legitimidade recursal da autoridade coatora. Ausência de dispensa de capacidade postulatória. Ação julgada improcedente. 1. O art. 14, §2º, da Lei n. 12.016/2009, conferiu legitimidade recursal, não capacidade postulatória, à autoridade coatora, não havendo, pois, ofensa ao art. 133 da CRFB.” (STF, Tribunal Pleno, ADI 4.403/DF, Rel. Ministro Edson Fachin, DJe-195 publicado em 09/09/2019)
Conclusão: a legitimidade conferida pela Lei nº 12.016/2009 à autoridade coatora para interpor recurso contra a sentença que concede a segurança não dispensa que a peça recursal seja subscrita por advogado (nos termos da Lei nº 8.906/1994 e do art. 103 do CPC).
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